Por Goretti Ramos, ambientalista e educadora ambiental.
Há alguns dias, a Organização das Nações Unidas (ONU), através de seu secretário-geral Ban Ki-moon anunciou que a população mundial chega a 7 bilhões de pessoas, segundo suas estimativas. E ele enfatizou em seu discurso que não há motivos para comemorações, e sim, preocupações. "Os recém-nascidos chegam a um mundo contraditório, com muita comida para uns e com a falta de alimentos para um bilhão de pessoas que vão dormir com fome todas as noites. Muitas pessoas gozam de luxuosos estilos de vida e muitos outros vivem na pobreza", disse Ban em entrevista à revista americana Time.
O grande desafio para os seres humanos, a partir de agora, é alfabetizar-se em termos ambientais, ou seja, reaprender o bê-á-bá de um complexo de interações e interconexões que envolvem a existência de outros seres, que não os humanos. É ligar-se profundamente no ciclo da Vida existente no Planeta. Nossa, Goretti, tá viajando na maionese, né. Quem dera! Uma coisa chamada Ciência está aí, bem diante de nossos olhos (dos 7 bilhões de moradores da Mãe Terra) para comprovar o que não é uma simples especulação de eco chata. É fato, é embasamento científico com metodologia apropriada para tal. E se não nos voltarmos para o que a Ciência diz e aprendermos, de vez, a escutá-la com o coração, como já dizia Saint- Exupéry, começaremos (e sem medo de ser dramática) a cavarmos nossa própria sepultura (ou crematório, como no meu caso). E mesmo que a Ciência discorde entre si sobre suas teorias (aquecimento global, retorno a era do gelo, fase cíclica da terra, etc.), como habitantes humanos de uma mesma Casa, devemos compreender que é preciso Unir e Preservar, e não Dividir e Destruir.
E na contramão de uma consciência planetária necessária à nossa sobrevivência nesse Planeta, estamos padecendo de uma verdadeira “Síndrome de Construir”. Isso mesmo, criei-a agorinha, saiu do “forno” de meu cérebro (e que me perdoem os especialistas e estudiosos da área), uma definição bem particular para essa condição de transformar vida em concreto. Vida? Como assim? De transformar a vida que nos cerca, nosso meio ambiente, nossa natureza exuberante, nossos ecossistemas, nossos recursos naturais em patrimônio para aguçar nosso ego interior, e demonstrá-lo aos amigos e inimigos.
O Desenvolvimento Sustentável apregoado por Gro Harlem Brundtland-no documento da ONU- em meados de 1980-e que ficou conhecido como Relatório Brundtland Nosso Futuro Comum, e consagrando-se como importante princípio na ECO-92 (ou Conferência do Rio-92), procurou harmonizar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico, garantindo-se, assim, a melhoria da qualidade de vida do homem, promovida pela utilização racional dos recursos naturais não renováveis. Neste diapasão, A Síndrome de Construir vem aniquilando todas as tentativas de conciliar Desenvolvimento e Preservação Ambiental, modificando até mesmo, o sentido do direito constitucionalmente garantido à propriedade privada (art. 5º, XXII da CF), nos reflexos de sua função social (XXIII - a propriedade atenderá a sua função social) que, sob intervenção do Estado só pode ter por base a supremacia do interesse público sobre o particular, ou seja, só poderá ser feita por necessidade pública, utilidade pública, ou por interesse social. E, intervindo-se nesse confronto, pondera-se pelo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225, caput, da CF), “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, que deve ser sopesado ante o único interesse lucrativo de pessoas e empresas que, destroem o meio ambiente natural, artificializando-lhe seus atributos essenciais, no favorecimento de poucos, em detrimento de muitos, ou seja, dos verdadeiros destinatários desse direito tão vital, os cidadãos brasileiros.
A Síndrome de Construir apresenta deficiências sérias em relação ao bem comum, ao bem da coletividade, viola os princípios e direitos fundamentais inseridos na Carta Magna de 1988, assim descritos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Quando o direito da Natureza contrapõe-se ao direito do Homem, logo vimos a desculpa mais que distorcida de que, como raça humana, precisamos nos desenvolver, ampliarmos nossos alcances, nossas fronteiras, mesmo que às custas de ecossistemas tão importantes à nossa existência. E numa visão tão retrógrada, ainda acreditamos que desflorestando espaços arborizados ou destruindo complexos dunares, ergueremos nossa história consolidada em sucesso e empreitada profissional, “fazendo história” entre nossas gerações presentes, porém, deixando um enorme passivo ambiental às gerações futuras.
E nestes últimos tempos, a Mãe Natureza é disposta como moeda de troca, numa mesa de negociações demagógicas, cujo objetivo é afortunar o ego, a ambição maléfica dos seres humanos. E ela, vítima de nossos atos insanos, silente, espera, nem tão pacientemente assim...
Quem ainda poderá salvá-la?
Eu? Você? Nós?
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